Alguns Trechos do Livro




         “Rose Mary deveria chegar em breve.  O motorista abriria a porta do reluzente Oldsmobile, ela saltaria, acenaria para o tio e a tia que a esperariam no jardim.  Viria vestida com o uniforme do colégio: sapatos de verniz, blusa e meias brancas, saia azul, boina na cabeça.  Nas mãos uma pequena valise.  Tudo impecável.  Como sempre, lá do final da rua, a molecada jogando bola assobiaria um fiu-fiu.  Outros gritariam: que uva!  Mas Rose Mary, toda elegante, nem daria bola.”

Rose Mary



“A hora é de despedidas.  Simplesmente observe o cair da tarde aqui do Cruzeiro.  O vale sumindo, nuvens escurecendo, primeiras luzes acendendo nas casas.  Lanternas vermelhas brilhando no Beco do Mota.  Mais tarde, ruas encantadas: serenatas.”

Passos pelo Sertão



“Dali, projetada como numa tela mágica, toda a pequena Tiradentes.  Vejo igrejas, escuto rezarias, repicar de sinos.  No telhado, um gato verde, olhar triangular, repousa no beiral.  Gato verde?  Parece que sim.  Mas uma mulher verde e nua andando pela calçada trouxe-me à realidade.  Só pode ser sonho.  Mulher verde ainda seria possível.  Nua não.  Em Minas teria de ser muié pelada.  Como saber se não sonho de dia e vivo a noite?  Não devo me preocupar tanto assim.  Tiradentes, com esta santaria toda, deveras deixa qualquer um protegido.  Melhor soltar os pensamentos que vão atrás do corregozinho das águas de chuva e dobram na esquina do tempo.”

Leilão Mineiro



“Visitei a Dona Ermelinda com sua fala dos Sertões das Geraes.  Escutei Seu Airão recitar a linguagem dos pescadores baianos.  Naveguei pelas mãos de hábeis piloteiros por rios infinitos, indo do Araguari ao Fecho dos Montes, no baixo Paraguai.  Escutei desde a triste batida da araponga, até a sinfonia noturna dos queixadas quebrando castanhas de jatobá.  Provei a sopa paraguaia, o furrundu, deliciei-me com o cortado de palma e o godó.  Senti o gosto amargo da cajuína.”

Campeiros e Ponteiros



“A Senhora precisa tirar este luto.  Usar roupas coloridas, pintar a boca, um rouge também seria bom!  Se não tem dinheiro pra viajar, passeie entre os valões de esgoto e a linha férrea.  Já ouviu falar em Veneza?  Se não tem jardim, senta num caixote, no canto menos fedido do seu terreno e olhe o céu.  A poluição cobre tudo?  Imagine estrelas.  Milhares, milhões, poeira de estrelas.  Aproveite a vida a seu modo!

         Jamais esquecerei o alegre decote de cetim rosa, nem os lábios vermelhos, desenho de coração.”

Carpe Diem



“...tão longe, tão perto.  De noite, vestida de festa.  De dia, véstia de sol.  Porte, não diria generoso.  Mas, esplendoroso.  Ao infinito, amplio imagens.  Chego ao abstrato recorte de pixels.  Detalhes reais, os vejo.  Imaginários, pontilham tal infinitas estrelas num céu diurno.  A estática dança geométrica das mãos segue mudo movimento labial.  Tão perto, tão longe.”

Vi suas fotos na internet



“Íamos avançando por aquelas terras espanholas quando num único estampido o quepe do companheiro voou, seu corpo projetado para trás virando o rosto na minha direção e, com ar de súplica, delicadamente conseguiu colocar a maleta no solo.  Foi a visão de um intervalo de tempo particular – fronteira entre vida e morte.”

Rojo



“É o final.  Perco a dimensão na estranha sensação do girar espacial.  Agarro-me a uma ilusória ópera de rua.  Atores sumindo, dança cada vez mais lenta, música afastando-se.  Doce música.  Brilhará até o fim da transitória noite escura?  E depois, quando o nada triunfar sobre o mecânico pulsar?”

A Última Maca



         “No interior da casa uma jovem lavava louças.  Acenei, mas ela parecia alheia, olhar perdido, expressão facial indefinida.  Bati na porta, que estava entreaberta, entrando.  Fiquei observando-a, de costas, lavando e polindo louças, num remelexo de quadris sob o vestido caseiro, de um tecido tão ralo que provocava o olhar.  Aproximei-me e, no que parecia um reencontro festejoso, entre panelas ruidosamente caindo, o paninho de prato que ela usava.  Lá, em bordado delicado li: Magdalena.”

Encontrando Magdalena



         “Um belo dia a Madre Superiora anunciou: o Convento vai fechar.  É a Teologia da Libertação.  Nada mais de rezação.  Agora vamos trabalhar nos fundões do Brasil, conscientizando o povo.  Afinal, se a Fé é uma adesão racional a um dogma, como pode uma pessoa ignorante, passando fome e doente, fazer esta opção?”

Balada para Irmã Clotilde



Silhueta solitária cortou o cenário, andando pela calçada.  Anônimo popular?  Inocente?  Acusador?  Vítima?”

A Última Gota



         “E assim vai entardecendo na nossa Cidade de Memórias.  Fotografias guardadas. Livros de crônicas fechados, voltando a repousar, a acumular poeira nas prateleiras do tempo.”

Cidades de Memórias



     

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